Pesquisar este blog

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Entrevista com Netinho de Paula, para o blog do Lubaque. O menino da periferia que conquistou o Brasil.


Lubaque - Como foi sua infância na periferia de São Paulo? Você pensou em ser jogador de futebol como muitos garotos da periferia?
Netinho - Eu nasci no Parque Ipê, zona sul da cidade de São Paulo. Com um ano de idade, minha família se mudou para a COHAB de Carapicuíba, onde fiquei até os meus 11 anos. Após o falecimento de minha mãe, retornei ao Parque Ipê. Lá, passei a minha adolescência, até os 17 anos, para em seguida voltar para a COHAB, época em que conheci a rapaziada do Negritude Jr. Posso dizer que a minha infância foi sofrida. Meu pai era gráfico, e minha mãe dona-de-casa. Para ajudar no orçamento familiar, eu vendia doces nas estações da CPTM, sem esquecer, é claro, de freqüentar a escola. Nós passamos por inúmeras dificuldades, mas sempre as superamos com muita garra e honestidade. Como todos os garotos jovens, principalmente os da periferia, eu sonhava, sim, em ser jogador de futebol profissional. No entanto, Deus me abençoou com o dom do canto, e não com a habilidade no futebol. Ainda bem, né. Gosto muito de futebol. Inclusive, o nome, Negritude Jr., foi inspirado num excelente time de futebol amador, o Negritude Futebol Clube, o qual admirávamos e éramos fãs. Hoje, sou corintiano doente, maloqueiro e sofredor.
Lubaque – Quando realmente falou – Eu quero ser artista -, e tocou em frente esse sonho?
Netinho - Na minha adolescência, já era freqüentador assíduo das rodas de samba. Esta sempre foi uma grande paixão. Sempre esteve na minha essência. Aos 17 anos, criamos o Negritude Jr. Isto foi entre 1986 e 1987. Como todo grupo novo, nós sofremos bastante no início. As coisas passaram a melhorar no final da década de 80, pois vencemos um concurso na escola de samba Camisa Verde e Branco. A partir daí, nossa carreira engrenou, as coisas começaram a fluir de uma forma mais fácil. Aí, pensei “agora vai”. Felizmente, a música Cohab City estourou nas rádios. Foram quase 16 anos de muita luta, mas foi gratificante. Serei eternamente grato à Família Negritude Jr.
Lubaque – Como surgiu a ideia de ser apresentador?
Netinho - Em meados da década de 90, eu fui convidado pelo Gugu para apresentar, durante um período limitado, o quadro Dia de Princesa, no Domingo Legal. Antes de o convite chegar a mim, jamais havia passado pela minha cabeça trabalhar como apresentador. O convite chegou e topei. Seriam apenas por alguns programas. Felizmente, o quadro foi um sucesso de audiência. Ao constatar isso, o Gugu quis continuar com o Dia de Princesa por um tempo maior. Foi uma época maravilhosa. Foram anos. Em 2001, a Record fez uma proposta para que eu apresentasse um programa, aos domingos, num formato idealizado por mim. Continuei com o quadro Dia de Princesa e produzi outras atrações, que foram muito bem recebidas pelos telespectadores. O Domingo da Gente ficou no ar até o final de 2005. Ainda na Record, produzi o seriado Turma do Gueto, que retratava a vida na periferia de São Paulo. Graças a Deus, tudo isto emplacou. Fiquei 3 anos e meio afastado da televisão. Neste ano, o Silvio Santos manifestou o interesse em me contratar para apresentar um programa semelhante ao Domingo da Gente. Fiquei feliz da vida. Aceitei no mesmo minuto. Agora, estou aí, à frente do Show da Gente, que tem conseguido ótimos índices de audiência para o SBT.
Lubaque – O quadro “Um dia de Princesa” é um sucesso. O que muda na vida dessas meninas?
Netinho - Diariamente, chegam milhares e milhares de cartas e e-mails à produção do Show da Gente de mulheres que possuem tristes e sofridas histórias de vida. Elas passam pelas mais diversas dificuldades. Tudo o que essas pessoas querem é passar um dia longe destes problemas, um dia que elas jamais tiveram a oportunidade de aproveitar, literalmente um dia de princesa. A nossa intenção é estimulá-las nesta batalha do dia-a-dia, queremos que elas tenham auto-estima, que passem a acreditar num futuro melhor. A vida na periferia é muito dura, massacrante. Por isso, eu levo a minha princesa para fazer compras em um Shopping, transformar o seu visual num cabeleireiro e ter um jantar dos sonhos. No final, as princesas ganham prêmios dos nossos patrocinadores, alguns deles em dinheiro. O resultado é muito positivo. Elas ficam mais confiantes, animadas, com o espírito renovado. Conheço casos em que a princesa, após a participação no programa, muda a sua realidade para melhor. Muitas conseguiram uma vida pessoal e financeira bem mais estável. Isto me deixa extremamente orgulhoso e emocionado.

Lubaque – Você ainda pretende continuar com a TV da Gente? É difícil no Brasil, montar uma emissora onde os negros aparecerão apresentando e o publico é negro? O preconceito atrapalhou o projeto?
Netinho - A TV da Gente continua existindo. Atualmente, ela funciona normalmente na cidade de Pacajus, situado no estado do Ceará. Eu digo que, no Brasil, temos algumas poderosas empresas de comunicação dominadoras, que monopolizam este meio. Enfrentei muitas dificuldades. Você acaba sendo um estranho no ninho, e isto me atrapalhou demais. Parece que a TV da Gente, por ser diferenciada das demais, se tornou uma ameaça, um inimigo. Infelizmente, na história da televisão brasileira, pouquíssimos negros tiveram a oportunidade de apresentar um programa. Isto é inaceitável. Ainda, vejo o negro muito distante dos meios de comunicação, principalmente da televisão. Por isso, idealizei a TV da Gente. O racismo ainda é algo muito presente no nosso dia-a-dia, e na TV não é diferente. Eu acredito que, sim, o preconceito interferiu em todo o processo. Fico chateado com esta situação. No entanto, eu não abaixo a guarda, não. A TV da Gente continua viva. O projeto segue. Tenho fé de que, em alguns anos, ela conseguirá crescer e se desenvolver.

Lubaque – Como administra a vida artística e política, deve ser muito corrido?
Netinho - Realmente é muito corrido. As minhas semanas são bem cansativas. Às segundas-feiras e sextas-feiras, faço as gravações para o Show da Gente. Já às terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, estou presente em meu gabinete, na Câmara Municipal, pois são os dias em que ocorrem as reuniões das comissões e as sessões plenárias. Durante os finais de semana, costumo fazer os meus shows. Quando há folga, gosto de ficar em casa com a minha noiva e os meus filhos. Tudo isso é desgastante. Porém, eu gosto dessa rotina. Para mim, esta correria é gratificante, é o reconhecimento de um bom trabalho. O carinho dos meus fãs é o combustível da minha carreira.
Lubaque – Já cogitou em fazer um filme da sua vida?
Netinho - Não. No momento, isto não faz parte dos meus planos. Pode ser que isto aconteça algum dia, mas não agora. Acho que já estou sobrecarregado. Preciso me concentrar nas minhas atuais obrigações, que já são muitas. Mais para frente pensarei a respeito do assunto.
Lubaque – Porque resolveu entra para política? Há seis meses na câmara, acha que da para mudar algo para os menos favorecidos. Já que o povo pensa que nada muda?
Netinho - Eu digo que a política está presente na minha vida desde os tempos de sucesso do Negritude Jr., na década de 90. Todo o grupo tinha um discurso político, pois defendíamos algumas bandeiras. Nós tínhamos uma posição de destaque em relação às questões envolvendo o negro na sociedade brasileira. Éramos convidados para participar de debates, eventos ligados ao tema. Após a minha saída do grupo, continuei atuante frente às questões abordadas pelo movimento negro, pela periferia e, também, pela juventude. Agora, com mais experiência, quis me candidatar à vereança, porque senti que havia chegado o momento de estar no olho do furacão, no centro das discussões. Queria contribuir de forma mais contundente. Em sete meses de mandato, sinto que podemos ajudar os munícipes. Muitas pessoas questionam o nosso trabalho, acham que é fácil, que não queremos fazer nada. Isso é equivocado. Todos os dias procuramos soluções para a melhoria das condições do povo. Eu recebi, nas últimas eleições, mais de 84 mil votos. Esses eleitores confiaram em mim. A responsabilidade é grande. Farei de tudo para ajudar os 11 milhões de habitantes da cidade de São Paulo.
Lubaque – Você já conseguiu aprovação para o Dia de Combate à Intolerância Religiosa, a ser comemorada anualmente no dia 21 de janeiro. O que representa pra você essa vitória?
Netinho - Representa muito, pois este é o meu primeiro projeto aprovado na Câmara Municipal. Existem outros em tramitação. Tenham certeza de que outros projetos serão aprovados em breve. Eu sentia uma necessidade de instituir o Dia de Combate à Intolerância Religiosa. Vivemos num país laico, porém não vejo harmonia e respeito entre todas as religiões. O apego à religião é algo importante, pois contribui na formação das pessoas, além da manutenção e expansão de seus valores e tradições. A partir desta data, espero que haja uma mudança de comportamento e união mútua entre os mais diversos cultos.

Lubaque – Você disse que as políticas afirmativas são um mal necessário. Como você vê algumas instituições, alguns negros contra as cotas?
Netinho - Isso é questão de ponto de vista, opinião. Atualmente, não vejo outra solução viável para a inserção do negro em universidades, grandes empresas e nos altos escalões dos governos. Existe uma barreira abstrata entre a sociedade e o negro. Em pleno o século XXI, nós, negros, ainda sofremos preconceito, somos excluídos dos setores elitistas. Não temos, no momento, nenhum secretário negro em São Paulo. Fico inconformado com estas coisas. Se criticam tanto as políticas afirmativas, deveriam então sugerir algo melhor, mais eficiente. Em vez de críticas, encontrem soluções. Enquanto eu não apostar em outra saída para a resolução deste problema, defenderei as cotas, sim.


Lubaque – Como você sabe é o povo que realmente elege os políticos. E você vindo dessa massa sabe que a cobrança será pesada. Porque será um representante direto deles. Como vê isso?
Netinho - Fui o terceiro vereador mais votado da maior cidade do país, e de uma das maiores do mundo. Ser representante de 11 milhões de pessoas não é fácil. Como já disse, a responsabilidade é enorme. Os 55 vereadores da cidade de São Paulo devem ser cobrados, pois foram escolhidos entre mais de mil candidatos. Eu penso que preciso retribuir esta confiança com muito trabalho e dedicação. Estou aqui para lutar exclusivamente pelos interesses da população.
Lubaque – O que você pensa de personalidades estarem adotando crianças de outras raças em outros paises?
Netinho - Acho magnífico. Adotar uma criança é um ato de puro amor ao próximo. Eu sou suspeito para falar sobre este assunto, já que tenho filhos adotados. Para mim, eles são filhos biológicos. O meu amor por eles é incondicional. É algo que me emociona. Estas crianças merecem o nosso colo, carinho e afeto. Adotar um filho é uma atitude sensacional, um sentimento indescritível.
Lubaque – É um projeto se candidatar a senador? Seria já no próximo ano? Você já pensou na presidência?
Netinho - Ainda, não posso dizer que é um projeto. No momento, trata-se de uma vontade, uma possibilidade. Tenho me reunido constantemente com a direção estadual do PCdoB para discutirmos sobre esta candidatura ao senado, em 2010. Preciso ir devagar. Primeiro, pretendo fazer um ótimo primeiro ano de mandato. Ser vereador de São Paulo é um grande teste. Quero passar bem por esta prova. Seria um sonho representar o meu estado em Brasília. No início do ano que vem, devemos definir isto. Enquanto não houver nada de concreto, prefiro me manter concentrado no meu trabalho na Câmara Municipal de São Paulo. A presidência é algo distante. Não penso nisto, no momento. Para governar o país, você precisa de rodagem, de experiência política, passar por esferas menores. Sou novo neste meio. Hoje, se eu tenho uma grande ambição na política, esta ambição é o senado.
Por Elias Lubaque - Jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário